terça-feira, 23 de novembro de 2010

Martina bem de perto

Andei ausente do meu cabaré enquanto conferia outros lugares, outras performances, outras pessoas...Nesse meio tempo fui ao magnífico show da banda inglesa Massive Attack, seis anos depois de tê-la visto se apresentar aqui em São Paulo.
Não me aprofundarei nesse fato ainda recente, pois dele muito já se falou. Mas posso garantir que continuo inebriado pela experiência, algo que pude dividir com os meus então acompanhates Sr. Huppert, Sr. Ishikawa, Sevérine e  Sandoval Velasquez, um dançarino boliviano nunca citado aqui antes.
A única coisa que lamentei naquela noite foi ter perdido a apresentação que precedeu a atração principal, com a cantora Martina Topley-Bird brindando o público com músicas de seu repertório próprio, antes de reaparecer emprestando sua voz a diversas canções do Massive Attack, uma ou outra gavada por ela mesma no album "Heligoland", o mais recente do grupo.
Mas ontem pude reparar o prejuízo indo ao Comitê Club, na velha e boa rua Augusta, rever Martina numa performance bem intimista, sobre um palco baixo que ela dividia apenas com o músico multi instrumentista brasileiro Curumin e também com CéU em rápida participação.
Curumin consegue dar conta de tantos instrumentos de percussão, tocando todos eles com um domínio tão grande, que acabei concluindo se tratar de um fenômeno, uma concentração de uma banda inteira em um homem só. Aplaudi com muita vontade, palmas estaladas, daquelas de arder as mãos.
Martina também domina uma boa diversidade de instrumentos, entre eles guitarra, teclado, percussão e um gracioso ukulele. Mas a força da sua presença já bastaria para garantir o interesse da plateia. Só vendo e ouvindo. A beleza, o charme, a simpatia, o talento, a voz sensual, o jeito de interpretar...Ah, Martina, volte logo pois já estou com saudades.
Neste momento ela se faz presente aqui no cabaré através do album  "Maxinquaye", do cantor Tricky, com quem canta em duo. Tenho esse CD há mais de 10 anos e agora volto a ouví-lo como se fosse uma novidade recém descoberta.  Espero continuar achando isso por mais uma década pelo menos. Para selar esse relato vamos assistir ao clipe da música "Carnies", a mesma que ela cantou para finalizar o bis e se despedir.

sábado, 30 de outubro de 2010

Meu marido de batom

Hoje, na hora do almoço, recebi a divertida visita de Charlotte B. que passou por aqui para tomar uma cerveja e ouvir música.Entre um assunto e outro, perguntei se ela sabia o significado atribuído ao termo “crossdresser”. Ela disse não saber e ficou inconformada com isso. Charlotte sempre acha injusto ser a última ou mesmo a segunda pessoa a descobrir alguma coisa nesse mundo.
Quando comecei a reunir palavras para explicar o que era, ela preferiu arriscar: “Crossdresser é uma ‘coisa’ ou é ‘alguém’?”. Continuei dizendo se tratar do estilo de se vestir que alguns...Fui interrompido novamente: “Eu sou crossdresser?”. “Não, você não é”, foi a resposta.
Logo achei melhor acessar um exemplo ilustrativo. Digitei no Youtube as palavras “Laerte, crossdresser” e apareceram alguns vídeos com o famoso cartunista brasileiro, autor de tantos personagens memoráveis como Piratas do Tietê e Overman.
Contei que ele passou a se vestir com roupas femininas no seu dia a dia, mas sem ter se tornado uma drag queen. Laerte continua a ser Laerte, o que mudou foi o seu guarda-roupa.
Charlotte achou isso o máximo e até identificou o corte de cabelo dele (chanel com franja de lado) com o dela.
Segui contando que já havia lido informações sobre “crossdresser” aos sete anos e meio de idade. Ela achou isso um absurdo.
Minha mãe que era professora e dava aula para uma turma de crianças dentro de nossa própria casa, mantinha escondido, “longe” do alcance dos filhos pequenos, o famoso livro “Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo, mas tinha medo de perguntar”, escrito por David Reuben. O exemplar foi um presente que ela ganhou de sua irmã mais nova, minha tia solteira e moderninha. Isso em 1973. Vamos amarrar o assunto: eu lia esse livro, escondido, durante o tempo em que minha mãe lecionava. Sim, eu já sabia ler muito bem e interpretar as informações. Na realidade, eu nem sei quando aprendi a ler. Para mim, eu sempre soube.
Eu lia um pouquinho a cada dia. Ao perceber que a aula estava no auge, eu escapava para a minha leitura secreta. Depois, livro escondido, voltava para a sala (eu também era aluno, não oficial, mas era).
Enquanto as outras crianças aprendiam a soletrar monossílabas, dissílabas e trissílabas, minha cabecinha estava cheia de palavras novas: orgasmo, frigidez, ejaculação, lesbianismo, travesti...
Martin era o nome fictício de um travesti marido e pai de família a quem o livro dedicava um capítulo. Nunca esqueci o nome dele. Martin era o que hoje poderia ser classificado como crossdresser. Charlotte ficou impressionada, mas também encantada. Ela disse que gostaria de ter um namorado que vestisse as roupas dela na intimidade.
Lembrei de um filme, “Armadiha do destino” (1966), de Roman Polanski. Nele um casal interpretado por Françoise Dorléac (irmã de Catherine Deneuve) e Lionel Stander (o mordomo da telesérie “Casal 20”) se divertia, ele se travestindo e ela rindo muito, quando assaltantes nada amáveis chegavam atrapalhando a brincadeira. Esse será o filme de hoje à noite no telão do cabaré. Charlotte, interessadíssima, prometeu voltar para assistir.
Agora vamos ver e ouvir "Do you really want to hurt me" com Boy George, o mais belo crossdresser de que me lembro, nos tempos do Culture Club.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A noite da bela

Hoje é o aniversário de Catherine Deneuve, musa constante nas entrelinhas de alguns relatos aqui publicados. Ela está completando 67 anos e para mim as suas feições continuam servindo para medir a beleza de qualquer ser que se coloque ao seu lado. Nos últimos dias esse assunto foi tema de algumas discussões entre os freqüentadores que assistiram aqui no cabaré às exibições de “A bela da tarde”, “Fome de viver” e “A sereia do Mississipi”, numa homenagem que hoje terá encerramento em grande estilo. 
A festa anunciada na postagem anterior terá algumas performances ensaiadas na calada da noite passada. Entre as atrações haverá uma encenação em que Margot P. - que já foi lanterninha de Cineclube e assistiu a todos os filmes do mundo - dançará num cenário repleto de guarda-chuvas coloridos, contando ainda com uma participação de Jonas, o barman desse estabelecimento, que surgirá no mini palco vestindo uma fantasia de asno confeccionada em pelúcia marrom.
Séverine, por sua vez, avisou que usará numa réplica do vestido “nude”, criado originalmente por Yves Saint-Laurent, e divulgado por Deneuve na década de 60.
E, enfim, o Sr. Huppert sentará ao piano cocktail para apresentar sua versão ultra cool de “Sofisticated lady”, clássico de Duke Ellington.
Logo Colin, Alise e Chloé estarão chegando, preciso me adiantar para recebê-los.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Comemoração

Depois de amanhã, 22 de outubro, haverá uma grande festa aqui no cabaré, e para isso os preparativos já tiveram início.
Hoje fui à principal rua de comércio de quinquilharias dessa cidade para comprar 27 guarda-chuvas coloridos a pedido de Margot P..
Ela usará esses acessórios em uma performance, que de tão linda o povo vai querer bis.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O tema da noiva

A maioria das pessoas mais jovens nem sabe que até o início da década de 70 Elke Maravilha era modelo e tinha uma beleza que lembrava Marilyn Monroe. Nessa época ela já participava de alguns filmes e também aparecia na TV, usando trajes e penteados ainda não tão chamativos.
Outra informação que muita gente desconhece é que Elke é uma boa atriz. Sua participação em “Pixote – A lei do mais fraco”, apesar de curta, é fortíssima.
Pena que “A noiva da cidade”, filme de 1978 onde ela teve sua grande oportunidade como protagonista, não foi visto por quase ninguém e quem viu não gostou.
Mas as críticas da época defenderam pelo menos a atuação dela e a lindíssima música-tema, composta especialmente por Francis Hime e Chico Buarque.
A obra, com direção de Alex Viany e roteiro co-escrito por Humberto Mauro, caiu no esquecimento e dela quase não encontramos nem fotografias. A imagem que escolhi para o mural de hoje é uma das poucas divulgadas.
Essa lembrança de Elke e do filme que nunca vi aconteceu simplesmente porque não consigo parar de ouvir o álbum “Meus caros amigos”, de Chico Buarque, no qual se encontra a tal canção composta por encomenda.
Agradeço ao meu amigo H. Ishikawa por esse presente, alegria das minhas noites quando fecho o cabaré.

sábado, 16 de outubro de 2010

Fim de romance

O bar estava cheio quando Alise mudou de ambiente deixando sobre o balcão uma bebida intocada. Discretamente, tratei de descobrir para onde ela teria ido e se estava tudo bem.
Fui direto ao mezanino, o melhor lugar que ela poderia escolher para terminar a leitura da qual não se separa há três dias: “O único final feliz para uma história de amor é um acidente”, de João Paulo Cuenca, jovem escritor carioca que lhe foi apresentado por mim.
Ao ler a última página, Alise beija a foto do autor que aparece na orelha da contracapa e suspira: “Ah, posso dizer que Cuenca e esse lugar incrível são as minhas melhores descobertas nos últimos nove anos!” (ela tem só 22). Em seguida o livro é fechado e esse rápido movimento faz com que um vértice de ar seja projetado contra o seu rosto perfeito.
Agora Alise quer ouvir “o músico brasileiro João Gilberto”, citado repetidas vezes com essa exata descrição por um dos personagens da obra recém-lida.


quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Guerra e paz

O Sr. Huppert, um amigo especialíssimo, dono de um antiquário próximo daqui, passou a frequentar o cabaré desde a sua abertura. Ele vem sempre na hora do almoço, quando fecha sua loja para a sesta, período esse que ele cumpre bem acordado, dançando e dando cambalhotas quando há espaço suficiente para isso.
Hoje ele me trouxe um presente maravilhoso: um piano cocktail, fabricado no ano de 1964, mas funcionando perfeitamente. Ainda estou estudando o melhor lugar para acomodá-lo. Devo dizer que o presente é típico da generosidade do Sr. Huppert, mas que também pode (e deve) ser um modo de ele se desculpar pelo mau comportamento de ontem.
Quem o conhece sabe que quando ele bebe e se empolga numa pista de dança costuma soltar assobios ultra-estridentes, e isso já fez com que ele chegasse a ser expulso de algumas boates.
O incidente não foi tão grave assim. Estava Séverine K. aborrecida pelo atraso de seu amante (ele tem dentes de ouro), quando o Sr. Huppert emitiu um dos seus sons ensurdecedores.
Não me lembro de já ter visto a moça tão nervosa. Transtornada, ela ameaçou ir embora e nunca mais voltar, ao mesmo tempo em que me mostrava a mancha do drink derramado em seu casaco no momento do susto. Mas consegui acalmá-la e tive a idéia de mandar seu sobretudo para a tinturaria imediatamente. Ela agradeceu e permaneceu no balcão bebericando um novo daikiri oferecido por conta da casa.
Voltemos para o dia de hoje. Após sugerir o mezanino como o melhor espaço para o piano cocktail, o Sr. Huppert foi em direção a Séverine que tinha acabado de chegar e ainda nem tirado os óculos escuros.
Inicialmente fiquei um pouco tenso com essa aproximação, mas logo vi que ele a fez sorrir. Reparei também que ela falou três ou quatro palavras e balançou a cabeça como sinal de quem nega alguma coisa (que ainda estivesse com raiva dele, imagino).
Minutos depois o Sr. Huppert e Séverine já estão dançando como melhores amigos, ela colocando um dos seus brincos na orelha esquerda dele, ambos rindo escandalosamente. A música que anima a brincadeira é “Hit the road Jack”, na voz de Shirley Horn.
De repente, o Sr. Huppert leva os dedos indicadores à boca ameaçando dar um daqueles assobios. Em resposta à provocação, Séverine lhe dá um tapinha indolor no ombro.
O telefone do caixa toca. É o “boca de ouro”. Cochichando, ele me pede que cancele a reserva da mesa 15, enquanto outros homens gritam palavrões ao fundo. Desconfio que ele seja bandido.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Vestindo o personagem

Sempre achei muito interessante ver artistas de outras áreas atuando como atores de cinema. Se algum dia resolver dirigir um filme, certamente convidarei para o papel principal alguém que nunca tenha representado nem em telenovela.
As opções de nomes que me vêm à cabeça são muitas, mas prefiro mantê-las em segredo. Admirei, por exemplo, as atuações dos cantores Bjork e Paulo Miklos nos filmes "Dançando no escuro" e "O invasor", respectivamente.
Mas, há também casos de profissionais de um outro tipo de cena que aceitam o desafio de compor personagens com uma história para contar. Estou falando de atores da indústria pornô.
Não é muito comum, mas vários astros e estrelas desse segmento já se aventuraram em produções convencionais, sem necessariamete deixar de lado a carreira que já tinham.
Em 2008 o diretor americano Steven Soderbergh escalou a jovem e super radical Sasha Grey para protagonizar o longa-metragem "Confissões de uma garota de programa", e ela deu conta direitinho.
Agora é a vez do francês François Sagat se mostrar num papel dramático em "Homme au bain", de Christophe Honoré, famoso por obras como "Em Paris" e "Canções de amor".
Sagat, que antes de se tornar um grande ícone de filmes gays explícitos trabalhou como assistente em importantes ateliês de moda como Balenciaga e Givenchy, já havia participado de um filme cult, não pornográfico, o bizarro "LA zombie", de Bruce LaBruce.
No novo filme, porém, seu corpo rigorosamente malhado aparece vestido a maior parte do tempo, mas ainda assim algumas cenas bastante eróticas vão dar o que falar.
Por enquanto no Brasil nenhuma distribuidora anunciou esse lançamento, mas espera-se que isso logo aconteça. 
Com seu peculiar "corte de cabelo", que na verdade é uma tatuagem feita sobre o escalpo, François Sagat arranca suspiros de homens e mulheres, e é dele a ala vip de hoje nesse novo mas já bem frequentado cabaré.

domingo, 10 de outubro de 2010

À luz do dia


Finalmente a tinta secou e o Cabaré Diurno abre as portas para quem quiser conhecer o ambiente. Sob o signo de Libra, o Cabaré será um espaço para dicas musicais e cinematográficas, principalmente, mas todas as outras manifestações artísticas possíveis nesse mundo podem passar por aqui. Então, vamos nos divertir!
Confesso que não foi fácil fazer funcionar esse estabelecimento, mas tive o precioso apoio de uma grande amiga, a linda e inteligente Séverine K., recém-chegada de Paris e ansiosa para me apresentar as novidades do seu iPod.
Cheia de inspiração, ela me deu todas as dicas que eu precisava para "mobiliar" esse infinito espaço que você está visitando.
Em agradecimento, é para Séverine que vou tocar a música inaugural da pista de dança: "You Can Dance", carro-chefe do novo album de Bryan Ferry, o aguardadíssimo "Olympia", que tem lançamento agendado para 25 de outubro.